SOBRE O LIVRO "A GUERRA DOS BASTARDOS", DE ANA PAULA MAIA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- PERÍODO 2007/2008

Jornal O Globo - Prosa&Verso - 05/05/2007








“Meus pesadelos me mantêm escrevendo”

Autora de “A Guerra dos bastardos” diz que quanto mais o amor entra em jogo, mais violento se torna o seu texto.

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[matéria feita por Miguel Conde]

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Na lista de influências de Ana Paula Maia cabem Dostoievski e Charles Bronson. E também Henry Miller, Júlio Verne, Creedence, os quadrinhos da Marvel. Entre outros tantos nomes que ela menciona, o de Quentin Tarantino é o mais __ o único? __ previsível. Como os filmes do diretor americano, “A Guerra dos Bastardos” (Língua Geral) incorpora e renova convenções do gêneros como o pulp, o folhetim, o terror B. Dessa mistura de referências, a carioca Ana Paula Maia, nascida em 1977, emerge com estilo próprio, marcado ao mesmo tempo pelo excesso e pela auto-ironia evidentes já no título de seus dois livros anteriores (publicados na Internet), os folhetins pulps “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos” e “Barbudos cretinos e suas histórias canalhas”. Seu primeiro romance, O habitante das falhas subterrâneas” (7 Letras) foi lançado em 2003, quatro anos depois de uma crise de estafa que a fez com que ela começasse a dedicar-se a literatura. Se Ana Paula, como ela mesma diz, escreve porque tem muitos pesadelos, sua escrita no entanto é mais divertida do que apavorante. A violência dessas “histórias de amor” como ela as define, está mais próxima daquela paródica, pop, de filmes como “Kill Bill” e “Cães de aluguel” do que daquela aterradora e concisa dos contos de Rubem Fonseca. Disponível no youtube, o ótimo “trailler” do livro, que em breve será também exibido nos cinemas, dá melhor do que qualquer resenha uma idéia do tom de “A Guerra dos bastardos”: http://bastardos.notlong.com.


Entrevista
Ana Paula Maia


O GLOBO: Embora muito violento, seu livro é narrado numa forma que, em alguns momentos, sugere uma autoparódia, um olhar humorístico sobre o tom pulp da história. Você concorda?

ANA PAULA MAIA: Sim. Às vezes a violência do texto chega a tons absurdos e neste instante é inevitável não usar uma certa dose de humor negro. Mas tenho muito cuidado com essa dose de humor, para não tirar a credibilidade do texto, a seriedade do universo que trato, dos personagens e da história. Em geral, meus narradores, são sujeitos mau humorados. Sofrem do fígado. São um tanto amargos. É assim com o Ariel Esperanto, narrador do meu primeiro romance, e é assim com o Dimitri Callaros, narrador de A Guerra dos Bastardos. Os personagens não são maus, eles são psicóticos, esquizofrênicos. Dentro de seu universo, fazem um julgamento moral e de valores diferente do nosso.

O GLOBO: Este mundo de bastardos criado por você te parece semelhante à vida real, no Brasil? Ou é mais mesmo uma citação, à Tarantino, de um certo gênero literário e cinematográfico?

ANA PAULA MAIA: Eu me baseio o mínimo possível na vida real. Ela me sugere algumas histórias e possibilidades, e com isso, eu transformo em ficção. E é sobre a ficção que me debruço de verdade, pois é na ficção que encontro as possibilidades infinitas para fazer o que quero. Gosto de escrever diálogos, por exemplo. Eles dão liberdade aos personagens, pois você pode ler a história sob a ótica do autor ou dos personagens. Quando eles começam a falar, eu entendo melhor com o que estou lidando e onde estou pisando. Tenho muita influência do cinema, porém ao escrever um romance, eu sei que estou tratando de literatura e não de um roteiro. Gosto da retórica que cabe num texto. Mas reconheço que uma história bem escrita, que envolve o leitor e com muita ação externa ao personagem, sempre nos faz pensar em cinema. Histórias devem ser bem contadas. No cinema, na literatura, no teatro, na música, ao pé do ouvido, enfim... É nisto que eu penso: Quero contar uma história. Quero contá-la da melhor maneira possível.

O GLOBO: Se não estou enganado, você disse uma vez que todos seus livros são histórias de amor. É isso mesmo? Poderia explicar?

ANA PAULA MAIA: Claro que são. Quanto mais amor em jogo, mais violento o texto. A válvula propulsora de A Guerra dos Bastardos é o amor. Uma necessidade de prová-lo ou de retê-lo. Tudo é muito passional, mas muito violento, pois o amor leva muitas pessoas a cometerem atrocidades. A se arriscarem. O elemento amor em minhas histórias não é evidente, fica escondido, debaixo do sangue dos parágrafos. Isto acontece no folhetim pulp, Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos. O personagem central, Edgar Wilson, apesar da frieza, é um sujeito que acredita no amor. Num dos capítulos do folhetim, aparece um homem que quer uma prova de amor de sua namorada antes de pedi-la em casamento. Combina de ser seqüestrado "de mentirinha", para ela ser forçada a pagar o resgate no valor exato do que tem no banco. Todas as suas economias ou a vida do futuro marido. Apesar do amigo de Edgar Wilson não gostar da idéia, Edgar se comove e diz: "__ Eu acho que este homem deve ter sua prova de amor". Saliento que Edgar Wilson havia tomado um fora da namorada que o trocou por outro. É um sujeito romântico, sem dúvida. E digo isso sério mesmo.

O GLOBO: Você lê autores da sua geração? Tem afinidades literárias com algum deles? O que acha da literatura brasileira atual?

ANA PAULA MAIA: Eu procuro ler sim os autores de minha geração. Tenho pouca afinidade com eles, porém, o Santiago Nazarian constrói parágrafos suculentos que não posso deixar de dizer, que sinto certa afinidade com ele. Seus textos possuem violência, porém num outro prisma. Quanto à literatura brasileira atual, acredito estar vivendo uma boa fase. Muitos autores e textos florescendo. Sou otimista quanto a esse cenário. Eu admito que entrei na literatura por acaso. Eu queria tocar blues. Não aprendi. Então comecei a escrever ouvindo blues e coisas parecidas. E meus textos vão ganhando um estilo pessoal aos poucos.

O GLOBO: De quem foi a decisão de divulgar o livro em clipes no youtube? Como isso foi feito?

ANA PAULA MAIA: Eu conheci em 2006 o trabalho do Fabz, um designer de Curitiba que tem um projeto bárbaro de fotosnovelas no site Crepúsculo. Alto nível. Eu já tinha até então pensado em fazer um trailler do livro, como forma de divulgação e de desdobramento da história. Escrevi um roteiro seqüência e mandei para ele. Ele a princípio não entendeu muito bem, mas expliquei a possibilidade disso dar certo. De se fazer um trailler, até porque este livro permite isso. Ele gostou e disse que faria o projeto nos padrões de suas fotonovelas. Logo em seguida eu assinei a publicação do romance com a Língua Geral e apresentei a idéia do trailler para exibição nos cinemas. Eles gostaram do projeto e compraram a idéia. O trailler vai para os cinemas. A cena que acontece no trailler não está no livro, mas poderia. Eu posso escrever dezenas de cenas que não estão no livro, porém são cenas do universo do livro. Daí a questão do desdobramento. Digamos que entre um capítulo e outro, aquilo que está no trailler aconteceu em algum momento da história com algum dos personagens, só que o leitor não sabe.

O GLOBO: Que artistas influenciam seus textos?

ANA PAULA MAIA: Hum... exatamente. Artistas e não só autores.
Neil Gaiman (especificamente as histórias de Sandman), Dave Mackean, Salinger, ZZTop, Universo Marvel, Luis Buñuel, Julio Verne, Platão (os diálogos), Shopenhauer, Nelson Rodrigues, Tarantino, Dostoiévski, Blues, Patrick MacCabe, os Titãs, John Fante, Creedence Clearwater Revival, Hemingway, Henry Miller, Russ Meyer, Graciliano Ramos (Angústia), Chuck Norris e Charles Bronson... entre muitos outros. Sou um produto de tudo isso. Dentro ou fora da literatura.

O GLOBO: Quando, e por que, você começou a escrever?

ANA PAULA MAIA: Comecei a escrever faz uns oito anos. E comecei porque eu tinha tido um princípio de estafa. Estava tomando remédios de tarja-preta. Eu surtei por algum motivo que nunca soube ao certo. Enquanto me recuperava, eu não podia fazer muita coisa, além de estar de férias da faculdade. Eu só tinha meu computador e algumas coisas me afetando a consciência além dos efeitos dos remédios. E por não ter nada para fazer, sentei diante do micro e comecei a escrever a história de um entregador de pizza, um triller. Um roteiro para curta-metragem. E a história não só saiu como foi produzida, porém nunca finalizada. Daí, eu nunca mais parei de escrever. Mas os remédios eu parei faz muitos anos. Palavra.
Comecei a escrever acidentalmente. E escrevo porque tenho muitos pesadelos. Meus pesadelos me mantêm escrevendo regularmente.