SOBRE O LIVRO "A GUERRA DOS BASTARDOS", DE ANA PAULA MAIA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- PERÍODO 2007/2008

Novembro - 2006 - Prosa&Verso - Jornal O Globo.



Resenha O Globo _ Caderno Prosa&Verso.

Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, de Ana Paula Maia


www.folhetimpulp.blogspot.com

Vá até o link acima e encontrará o livro de Ana Paula Maia. Lá estão os 12 capítulos do que a autora chama de “folhetim pulp”: “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”. Ao menos por enquanto, essa pulp fiction nacional só existe mesmo na Internet, mas Ana Paula não é inédita em livro. Em 2003, publicou “O habitante das falhas subterrâneas”, na coleção Rocinante, da 7 Letras. Em “25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira”, organizado por Luiz Ruffato, participa com a escrita tensa de “Nós, os excêntricos idiotas”. Pelo blog, ficamos sabendo que, no final de 2005, o segundo romance, “A guerra dos bastardos”, título sugerido por Santiago Nazarian (está estabelecido o clã) já estava pronto, à espera de editora. Com “Entre rinhas” publicado pelo blog, a história dispensa mediadores e conquista não só leitores como resenhas, em revistas virtuais, que também estão lá, ao lado da narrativa, em tempo real. Vale a pena ler o folhetim eletrônico, porém é melhor se preparar: vai respingar sangue da tela do computador. E muito.

Ana Paula faz parte do time de menos de 30 anos que pratica freneticamente literatura, fala literatura, milita literatura. Tem cara de garota esperta ainda que meio tímida. Mas não se iludam. Perto desse livro, Quentin Tarantino fica quase bem comportado e o célebre “Cães de aluguel” parece até bem limpinho. Como o título do blog já aponta, lembrando o personagem de “Taxi Driver”, do Scorsese, acrescido do célebre assassinato do ladrão americano pé-de-chinelo trucidado por um segurança, a separação entre o sangue que jorra da literatura ou do cinema de inspiração pulp e a vida real é bem pequena.

Ana Paula pega pesado na violência, na imundície, na podridão, no fétido, no perverso, no porco. Porque são porcos mesmo parte dos personagens que dividem o espaço narrativo com abatedores, trambiqueiros e prostitutas. Tudo isso sob o calor sufocante de um subúrbio distante onde apostar em rinhas de cachorros assassinos é o divertimento mais saudável de que os homens desfrutam. Nesse espaço, a vida humana não vale nada, mesmo que seja a da sua irmã, cortada a canivete para recuperar um rim doado. Já as dos porcos, estas sim precisam ser preservadas. Afinal valem alguma coisa e mesmo suas entranhas rendem um dinheirinho para garantir a cerveja.

Edgar Wilson bem que queria saber casar com uma moça direita, pois, como diz Gérson antes de pegar um abridor de latas para abrir a barriga da irmã, “um homem precisa de sua própria família”. Mas ela prefere o ajudante de abatedor, Pedro, que não livra a cara (ou, melhor, o lado oposto) de porco que está sendo abatido. É fácil se livrar de corpos no mundo dos abatedouros, onde ossos moídos viram ração.

Enfim, mundo cão, literalmente. E tudo isso apresentado com a força da escrita de Ana Paula, uma capacidade de parecer estar falando, ou escrevendo, sempre do mesmo espaço de seus personagens. Se produtos mais consumíveis não chegam às editoras, tudo leva a crer que “Entre rinhas” dificilmente chegará às livrarias. Mas, para casos assim, existe a web; como forma de veicular material que faça pensar e mesmo experimentar a repulsa como experiência estética.

Diante de alguns quadros de Lucien Freud, o genial pinto inglês, neto daquele nosso amigo que escreveu “O mal-estar na civilização”, fico pensando se alguém teria coragem de pendurar uma daquelas telas em sua sala. Talvez seja este incômodo a maior importância de sua arte. É para isso que o romance de Ana Paula aponta: Há cenas que a literatura não tolera, mas é preciso entender muito de ficção, de realidade e de representação da realidade para poder escrevê-las. Todo cuidado com Ana Paula é pouco.


[Beatriz Resende – Jornal O Globo, caderno Prosa&Verso _ 11/11/2006]