O calor das coisas
Por Mariel Reis
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A novela protagonizada por Edgar Wilson é marcada por uma simbologia do fogo. E logo no inicio a saga de presença deste elemento purificador e deformante é notada ao se qualificar "a sexta-feira" como "quente e abafada". Outros sinais de sua presença alastram-se pelo texto. O subúrbio "quente e abafado" acentua o crescendo da labareda de ódio e ignomínia que dominará as linhas seguintes de uma ponta a outra.
Edgar Wilson é um matador de porcos. Tanto dos animais quanto daqueles que se assemelham a eles "o problema dos porcos é que eles acham que são gente" afirma a certa altura dos acontecimentos, e arrisca "Eles te olham e acham que você é um deles ou vice-versa". Com esta exposição, a moral do personagem justificará o desossamento de algumas vicissitudes humanas como a inveja, a ira e a cobiça. Demônios encerrados nos animais que o próprio Edgar abate como que lhes propiciando a libertação, como na parte do Evangelho aludida por ele "Jesus era pastor de ovelhas, mas quando a coisa fedeu, foram os porcos que entraram em ação" argumenta. Baseado neste intricado sistema moral, ela assassina Pedro e o atira para os porcos que somem com qualquer vestígio.
A referência a este Pedro traidor, aquele que negou por três vezes o Salvador não é gratuita "Pra quê se colocar ansioso se isso não acrescenta nem um côvado em altura, nem torna um fio de cabelo preto em branco?" Edgar se coloca a questão para continuar sem resposta, vivendo naquilo que se parece uma ante-sala do inferno sempre repleta de sangue e ódio. A ira dos cães de rinha é mais uma inversão que qualifica todo o texto que leva como subtítulo "uma estória sobre a simplicidade humana". Ampliando as pistas sobre o universo deste homem que segue uma espécie de messianismo todo próprio, resgatando o rim de um amigo ou ajudando a outro a obter a sua prova amorosa. O problema é a fatalidade que se intromete a todo instante no caminho da personagem. "A felicidade não é deste mundo", parece ouvir ao constatar a fragilidade das emoções vivenciadas em todo o percurso, em toda a sua via-crucis.
E o exorcismo dessas desventuras parece chegar quando, mesmo embaçado por dentro, mesmo sentindo-se no quinto dos infernos, aparece aquele que poderá redimi-lo. No concurso "Porco Abatido", promovido pelo Açougue Maminha do Rei, outro gladiador surge no terreno sem lei daquelas paragens. "Ele abate trinta porcos em uma hora", enquanto que sua marca é "quinze animais em uma hora". Edgar Wilson, este homem duplo, encarna a extremidade daquilo chamado de simplicidade no subtítulo da estória. O vermelho, coloração incendiária da moral do personagem se impõe uma vez mais e ele acaba por vencer o concurso.
Há cores naturalistas na pintura de Ana Paula Maia dos personagens, e um certo absurdo atravessa as motivações seguidas por cada uma delas no transcurso da estória. Sente-se falta da relativização das ações das personagens que as aproximariam muito do leitor, somando alguma poesia a ingenuidade com que praticam determinadas atrocidades como o resgate do rim de Gerson, praticado com um canivete por Edgar que ignora completamente a anatomia humana, mas por força quer compará-la à suína numa sugestão da queda da nossa condição de animais celestes para estes que pendurados de ponta a cabeça
SOBRE O LIVRO "A GUERRA DOS BASTARDOS", DE ANA PAULA MAIA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- PERÍODO 2007/2008